Site Dell Idea Storm usa a participação dos usuários para agradar seus compradores, sentir a temperatura do público e ouvir idéias sobre novos produtos
Michael Dell é um grande empresário: criou uma marca reconhecida mundialmente a partir de uma oficina em sua garagem, montada para pagar as despesas com a faculdade. Criou também o mercado de vendas diretas e uma rede de pedidos online que mantém a empresa sempre de olho na demanda, inclusive para direcioná-la com promoções instantâneas (sobre este tópico, vale a leitura de O Mundo é Plano, de Thomas Friedman).
Agora a Dell inova mais uma vez, ao usar de forma inteligente os benefícios da web 2.0 para projetar uma nova linha de produtos. Através do site Dell Idea Storm, a empresa abre um fórum de sugestões para seus produtos no qual clientes do mundo todo podem sugerir novas funcionalidades, configurações, recursos, instalações e dizer o que quiserem. Os visitantes podem votar nas sugestões e promovê-las ou discuti-las com os moderadores da Dell e acompanhar o que a empresa planeja implementar.
No dia 22 de fevereiro o site já tinha 1.103 idéias, com 104.046 “promoções de idéias” (votos) e 1.610 comentários sobre estas idéias.
A maior parte das idéias postadas são relativas aos softwares pré-instalados e ao software livre, que possui uma comunidade de consumidores sempre ativa na web. Entre as idéias mais votadas estão “opção de compra sem Windows”, “Firefox como navegador padrão” e “OpenOffice pré-instalado”.
O mais interessante da adoção pela Dell deste tipo de diálogo com o público é que a empresa abre suas portas e permite que os clientes façam comentários positivos ou negativos. É um posicionamento corajoso, que exige que as empresas entendam que o mundo mudou com a web, e que a web 2.0 é uma evolução que dá ainda mais voz aos clientes.
Nem todas as empresas estão preparadas para serem criticadas em público, responder às críticas e ainda assim preservar sua imagem e sua marca. A Microsoft deu um grande salto neste sentido quando lançou seu blog. Hoje não abre mão desta estratégia de conversação com seu mercado consumidor.
Voltando à Dell, é muito provável que a empresa já soubesse de antemão as críticas que receberia, mas resolveu dar voz ativa à sua comunidade de clientes. Algumas idéias chamam a atenção:
- Ter atendentes de serviço ao consumidor que atendam um problema, não o transfiram!
- Um laptop Dell que eu possa usar no meu colo (sem queimar a perna)
- Não aos Call Centers da Índia
- Não ao suporte além-mar
- Opção de pagamento extra para suporte nos Estados Unidos
As últimas três são manifestações que trazem um bom grau de xenofobia, característica de clientes americanos que não estão satisfeitos com a gradual migração dos centros de suporte ao consumidor para outros países, o que diminuiria os empregos nos Estados Unidos.
Além de ser uma característica natural em um mundo em constante pressão por preços menores, manter centros de atendimento mais baratos é praticamente uma das únicas alternativas viáveis para grandes empresas. Não só a Dell, mas a IBM, a HP e outras gigantes da tecnologia vão continuar migrando seus call-centers para países do “terceiro mundo”.
Por outro lado, a idéia “Opção de pagamento extra para suporte nos Estados Unidos” já tem 82 simpatizantes, além de outras idéias similares também com alguma popularidade (busque por “extra” no Dell Idea Storm e veja com seus próprios olhos).
Isto demonstra que mesmo querendo pagar menos pelos produtos, uma parte da rede de consumidores da Dell pagaria a mais para manter empregos em seu país e ser atendida por cidadãos americanos.
Existe ainda outra comunidade intitulada Olhe para mim. Eu sou Verde!, que estimula o programa “Plante uma Árvore por Mim”, que já tinha 4.461 simpatizantes. Outro aspecto de consumo revelado: clientes Dell são propensos a ações que envolvam o meio ambiente. Independente da Dell acreditar em ajudar a conservar o planeta ou ser apenas uma idéia para promover seu marketing, o que o site revela é que a idéia traz resultados, o que é muito positivo.
Através de uma ferramenta de tecnologia, a Dell conversa com seus clientes, dá a eles o poder de decidir o que é bom e o que é ruim, cria um canal para que eles se manifestem livremente e expõe a boa vontade de se adaptar aos clientes, ao invés de simplesmente esperar que eles se adaptem aos seus produtos.
A idéia não é nenhuma revolução (ou é uma revolução não-televisionada, vide o princípio do Marketing Hacker de Hernani Dimantas), até porque a força de vendas já tem o seu Ideas há algum tempo no ar, mas o importante é que esta iniciativa demonstra claramente a adesão aos princípios e ferramentas da web 2.0 como forma de conversar com os usuários e permitir que os usuários conversem entre si e decidam o que é bom e o que não é.
Pensando por outro lado, não é nada que não pudesse ser feito através de fóruns, que já existiam desde o nascimento da web. O que mudou na minha opinião – e é a isso que temos chamado de web 2.0 – é que agora os usuários estão familiarizados com a tecnologia e entendem que seu papel é mais importante do que era antes. Aos poucos, as empresas amadurecem para dar ouvidos aos clientes e interagir com eles. A web 2.0 talvez simbolize o mundo 2.0.
Bibliografia recomendada:
O Mundo é Plano, de Thomas Friedman
Dell: Estratégias que Revolucionaram o Mercado, biografia de Michael Dell
Marketing Hacker, de Hernani Dimantas
Escrito por Rafael Wally