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Só confio em quem faz aquilo que prega

‘Skin in the game’ é um uma expressão do mercado de investimentos que pode ser traduzida como ‘arriscar a própria pele’. De forma menos precisa é o nosso ‘dar a cara a tapa’.

O conceito é levado muito a sério entre investidores: gestores de um fundo devem ter boa parte de seu patrimônio em investimentos alocado no próprio fundo que gerem, de forma que a pele deles também esteja em risco ao tomarem decisões de compra e venda de ativos, ações e outros investimentos.

O mercado financeiro costuma usar mecanismos de auto regulação para evitar catástrofes – ainda que eles falhem ocasionalmente – como na crise americana de 2008.

‘skin in the game’ não é obrigatório por regulamentação, mas dificilmente um fundo decola sem obedecer a essa ‘regra’.

Se você não está disposto a arriscar a própria pele pela sua teoria, ela não tem valor nenhum no mercado.

Cunhado pelo megainvestidor Warren Buffet, aclamado como um dos maiores de todos os tempos, o conceito de ‘arriscar a própria pele’ ganhou popularidade ainda maior com o lançamento do livro homônimo de Nassim Nicholas Taleb em 2008.

O livro encerra a tríade ‘Incerto’, que reúne as três maiores obras de Taleb: ‘A Lógica do Cisne Negro’, ‘Antifrágil’ e ‘Skin In The Game’. Os três livros são best-sellers mundiais e são populares não apenas no mercado financeiro.

Aclamado por muitos como um dos grandes pensadores da atualidade e odiado por tantos outros, Taleb possui um estilo pouco afável, no entanto muito popular em autores de contracultura: língua afiada, pouco apreço pelo status quo e resultados práticos que comprovam suas afirmações.

O conceito se tornou central em debates entre acadêmicos e mercadólogos.

Enquanto na Academia o peso dado à formação de pesquisadores e professores é muito grande, o Mercado valoriza a prática, a capacidade de fazer valer aquilo que se afirma.

Virou moda nos últimos anos idolatrar empreendedores de sucesso que abandonaram os estudos em Universidades famosas, mas na prática vale a lógica do Cisne Negro:

Alguns tiveram sucesso mesmo abandonando a Faculdade, mas abandonar a Faculdade não é garantia nenhuma de sucesso.

O conceito do ‘Skin in the game’ não desmerece o estudo formal, só revalida que a teoria, sem aplicação prática, continua sendo só uma hipótese não comprovada.

O centro da discussão é as habilidades que são necessárias na Academia nem sempre são as necessárias no Mercado e vice-versa.

Então como formar os profissionais dos quais precisamos no século XXI?

A minha resposta para isso passa pela autorresponsabilidade: valorizar o estudo formal tanto quanto a prática profissional.

A diferença entre experiência acadêmica e prática ficaria evidente:

  1. Se colocássemos um professor de química numa fábrica de cerveja e se colocássemos um mestre cervejeiro para dar aulas de química na Universidade.
  2. Se colocássemos um investidor para dar aula de economia e um professor de economia para investir na Bolsa de Valores.

Neste cenário, é mais plausível que o professor de química tenha sucesso na fábrica do que o professor de economia no mercado.

Assim como é plausível que o mestre cervejeiro provavelmente seria um professor de química mediano e o investidor não saberia defender cientificamente as decisões que toma.

A teoria, sem a prática empírica, carece de validação.

Isso não diminui a importância de nenhum dos quatro profissionais acima, mas enfatiza as diferenças cada vez mais gritantes entre teoria e prática: assim como saber explicar não é saber fazer, saber fazer também não garante saber explicar o que é feito.

Com o ritmo de avanço atual (seja tecnológico, cultural, comunicacional, mercadológico, qualquer que seja a perspectiva) ficou evidente que o modelo de educação já não acompanha mais a necessidade do chamado ‘mercado de trabalho’.

O próprio modelo de ‘trabalho’ que se convencionou desde a Revolução Industrial e evoluiu ao longo do século XX já não atende mais as necessidades do mundo atual.

Enquanto assistimos a uma nova revolução do trabalho, esta mesma revolução não acontece na educação. Continuamos formando as pessoas mais ou menos do mesmo jeito há 40 anos, senão 100 ou 200.

O profissional que hoje faz uma Faculdade por cinco anos para só então viver a realidade do mercado chega atrasado. Atrasado na carreira, na vida, na maturidade profissional.

Os cursos noturnos resolvem parte do problema, mas não o problema todo. A capacidade de absorção fica prejudicada após uma jornada de – pelo menos – 8 horas de trabalho e o próprio conteúdo do curso vai ficando distante da realidade enfrentada por quem trabalha conforme o curso avança.

Também existe um distanciamento entre o que os ‘professores com experiência de mercado’ (argumento de venda comum em propagandas de cursos universitários) ensinam e aquilo que acadêmicos puros ensinam.

A distância cresce ainda mais em duas circunstâncias: Universidades Públicas e Universidades de Baixo Custo.

Enquanto nas Universidades Públicas (no Brasil) existe uma inclinação natural para a pesquisa, maiores recursos para investimento em laboratórios e centros técnicos do que em Universidades Privadas (o que eu pessoalmente acho bom), nas Universidades de Baixo Custo existe um achatamento da hora aula e uma tendência de contratação de profissionais que não estão em atuação no mercado e que acabam se dedicando exclusivamente às aulas, já que precisam dar muitas aulas para perfazer alguma renda.

Os estereótipos decorrentes dessas duas realidades nós todos conhecemos.

Existe solução?

A recomendação, partindo do pressuposto defendido por Taleb, é óbvia: estude com quem realmente fez ou faz algo digno de nota, aprenda com quem realmente pratica aquilo que prega.

É um conselho muito bom, no entanto bem difícil de ser colocado em prática.

Bons profissionais em geral estão mais dedicados a fazer do que a ensinar, o que torna a existência deles escassa por natureza.

Bons profissionais são bem pagos, ainda mais num mercado com escassez de gente competente como o Brasil. Isso torna ainda mais difícil colocá-los em sala de aula.

Então como conseguir aprender baseado na experiência de profissionais que não estão disponíveis?

A resposta, para um leitor de Taleb, é evidente: use a validação reversa daquilo que é ensinado pelo profissional.

Seguindo o exemplo acima: compre cerveja artesanal de mestres cervejeiros comprovadamente bons, que tenham sido premiados mesmo que seja em festivais locais. Experimente a cerveja antes de comprar. Coloque à prova antes de confiar.

Só faça um curso de cervejaria artesanal com quem já fez muita cerveja e sabe resolver os problemas quando eles ocorrerem. Porque somente seguir a receita nem sempre é garantia de fazer boa cerveja.

Estude investimentos com quem já obteve resultados comprovados, práticos, já ganhou e já perdeu dinheiro (nunca confie em alguém que ensina a ganhar e nunca perdeu, ninguém é infalível). Mas lembre-se do Cisne Negro: resultados anteriores não garantem sucessos posteriores.

Fiz um curso de sushi em 2018. Meu professor tem um restaurante de sushi movimentando e é reconhecido como um grande sushiman. A experiência foi sensacional.

A máxima que corre no mercado é baseada na observação prática:

Não dá para confiar num Palestrante de Sucesso que sai de uma palestra sobre Como ganhar dinheiro num Corsa ano 98.

Para muitos isso soa preconceituoso ou radical. Não é. É apenas anti hipócrita.

A melhor forma de moldar um mercado no qual parasitas e vendedores de promessas não atrapalhem acadêmicos nem profissionais de mercado é usando o princípio da pele em jogo.

Resumindo:

  • Não dá para confiar em alguém que vende um curso ‘Como ter sucesso nas Redes Sociais’ e tem 1.000 seguidores.
  • Não dá para confiar num dentista com os dentes sujos.
  • É difícil confiar num cardiologista gordo.
  • Não dá para levar a sério um personal trainer fora de forma.
  • É difícil confiar um motorista de Uber com o carro todo amassado.

As aparências enganam quem se permite ser enganado, uma vez que de discurso o mundo já está cheio.

A premissa de arriscar a própria pele no fim é anti hipocrisia.

Só confio em quem faz aquilo que prega.

E você?

SOBRE O AUTOR

Rafael Rez

Autor do livro “Marketing de Conteúdo: A Moeda do Século XXI”, publicado pela DVS Editora. Possui MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2013. Fundador da consultoria de marketing digital Web Estratégica, já atendeu mais de 1.000 clientes em 20 anos de carreira. Co-fundador da startup GoMarketing.cloud. Fundou seu primeiro negócio em 2002, de onde saiu no final de 2010. Foi sócio de outros negócios desde então, mantendo sempre como atividade principal a direção geral da Web Estratégica. Além de Empreendedor e Consultor, é Professor em diversas instituições: HSM Educação, ILADEC, Cambury, ESAMC,ALFA, ESPM, INSPER. Em 2016 fundou a Nova Escola de Marketing.

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